InformaLista
O Informativo da lista "Educacao Ambiental"
No. 05 – 30 de setembro de 2000
Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto
Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)
Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto,
pode haver erros.
De: Silvia Maria
Daros <daros@ffalm.br> |
De: Gustavo
Borges <gaborges@uol.com.br>
Data: Sáb,
2 de Set de 2000 10:24am
Assunto: En: Artigo sobre
gênero
Um jeito e amor:
cacos para um vitral * Por Kusum Toledo*
Recém
venho de um seminário, Gênero, Participação Comunitária e Manejo de
Recursos Naturais, onde discutimos uma evidência constatada em estudos
de caso e empiricamente por todos que trabalhamos com etnoconservação e
participação comunitária no manejo de áreas protegidas, presentes ao
seminário. Qual era essa evidência? A de que se observava, com assustadora
freqüência, a reprodução de padrões autoritários e opressivos na condução de
associações, trabalhos e afins por parte das mulheres. A discussão nos
conduziu a reformular aquilo que via de regra vimos identificando como
modelos 'masculinos' de gerência, como se autoritarismo e opressão fosse
exclusividade deste gênero. Minha
percepção me conduz à pensar que, na realidade, muito mais que
'masculinos' se tratam de padrões gerados no útero duma organização social
fincada na competição, na ganância, na separação e na exclusão. No
autoritarismo, na opressão, na manipulação e na inveja.
Historicamente, tendo o homem se responzabilizado pela atuação no mundo 'lá
fora', consolidou modos de agir a ele afinados. Mas a mulher os reproduz
dentro de casa, e fora também. O mundo do trabalho e o mundo do lar são
partes do mesmo universo: com naturalidade e 'bom senso' pais e mães
estimulam a rivalidade e a competição entre os filhos, tal qual uma empresa
atiça vaidades de seus funcionários pra que rendam mais, na direção que
interessa aos lucros da empresa. Nas escolas, professores e professoras
igualmente reproduzem este modelo, de resto exacerbado na publicidade. Em seu
artigo, Stephen Kanitz escreve: "As poucas mulheres que galgam os altos
escalões das 500 maiores, com todo o respeito que elas merecem, o fazem
dançando a música dos homens. A contragosto, precisam dar uns socos na mesa
de vez em quando e soltar alguns palavrões por aí". E ele está certo, só
discuto o à contragosto: conheço várias que deliram com a possibilidade deste
exercício e, quando questionadas, justificam seu movimento inclusive pelo
sentimento de revanche, o "agora é a minha vez". Além do mais,
nunca me esquecerei de uma fala de Ronald Reagan sobre a 'dama de ferro'
inglesa "-
Mrs. Tatcher é o homem que eu gostaria de ter no senado americano". Sem
comentários. No
'Administração Feminina', artigo que estou tomando como referência para
esta conversa, Stephen Kanitz diz ainda "Sendo franca minoria, as
mulheres nunca conseguem impor sua forma própria, um estilo feminino de
administração". E prossegue: "As 400 maiores entidades
nacionais beneficentes são muito mais bem administradas do que a maioria das
empresas brasileiras, por mais absurda que possa parecer esta minha
observação. Existem várias razões para esse desempenho superior das entidades
beneficentes. Clareza de propósito, ética, motivação dos funcionários,
satisfação pessoal com os resultados. Mas a principal razão para mim é bem
clara: a grande maioria, se não a totalidade das 400 maiores entidades, é
administrada por mulheres. Lá elas conseguiram impor, sem sombra de dúvida,
seu estilo feminino de administrar, com técnicas novas, com concepções novas
de gerenciamento, calcadas em relacionamentos e não em orçamentos, uma
administração mais leve, suave, num ambiente mais divertido." Proponho
que a gente pense a partir do objetivo destas empresas, radicalmente
diferentes daqueles voltados à produtividade monetária, à produção de
mercadorias para um mercado estressante, competitivo, onde ou você ganha ou é
excluído. Será que mais que feminino ou masculino não é o motivo da
existência da empresa que torna possivel as características/diferenças
que Kanitz observou em seu estudo? Para
finalizar, penso que poder votar em mulher - assim como em índios,
negros, homossexuais, deficientes físicos e outros segmentos sociais - é, na
realidade, o reconhecimento público do direito de cada cidadão de se
apresentar como candidato; é a visibilidade do exercício não discriminatório;
e a ampliaçao das nossas possibilidades de escolha, pela inclusão de um
gênero a mais no leque de opções. Deste ponto de vista é um passo além. Mas
uma sociedade mais leve, mais divertida, suave e amorosa não é uma questão de
gênero. Votar em mulher por ser mulher, é quase o mesmo que atribuir uma
situação de liderança a um homem porque ele é homem: o buraco é mais embaixo,
as escolhas se vinculam a jeitos de viver, de criar. de construir e de sonhar
o mundo, um mundo de homens e de mulheres. E de aves, de plantas, de água,
solo, ar e tudo o mais que vive nesse nosso planetinha azul, cosmicamente
pulsando e interagindo num universo infinito. Homens e
mulheres, sei que temos nossas singularidades, nossas diferenças desde à
biologia e eu amo cada uma delas. E mais que tudo, sei que somos
complementares, a unidade dos contrários. Kusum
Toledo é pesquisadora e educadora ambiental, trabalha com participação
comunitária no manejo de recursos naturais. kusumtoledo@netpar.com.br
Este
texto foi originalmente comentado por Odilon Vargas Toledo e incorporou sua
contribuição. Sua primeira versão foi lida ainda por Arthur Soffiati, Amyra
El Kalili e Mauricio Mercadante. * combinação
de falas múltiplas a partir de Adelia Prado Consulte
o banco de dados da Rede CTA-UJGOIAS "A
melhor maneira de prever o futuro é criá-lo" Peter
Drucker |
De: Andressa Paula Sampaio
Rissatto <derissat@siteplanet.com.br>
Data: Sáb, 2 de Set de 2000 1:09pm
Assunto: Cidadania: o papel da contextualização do real na EA
" Uma das grandes, se não a maior tragédia do homem moderno, está em que é
hoje dominado pela força dos mitos e
comandado, pela publicidade organizada,
ideológico ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem saber, à sua
capacidade de decidir. Vem sendo
expulso da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele
epresentadas por uma "elite" que as
interpreta e as entrega em forma de receita, de prescrição a ser
seguida. E quando julga que se salva
seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelado da massificxação, sem esperança e sem fé,
domesticado e acomodado: já não é sujeito.
Rebaixa-se a puro objeto."
Paulo Freire.
De:
Esther <ocadocurumim@uol.com.br>
Data: Dom,
3 de Set de 2000 11:28pm
Assunto: En: TUDO O QUE EU
PRECISO SABER
TUDO O QUE EU PRECISO SABER EU APRENDI
NO JARDIM DE INFÂNCIA
Robert Fulghum
Tudo
o que eu preciso saber sobre a vida, o que fazer e como ser eu aprendi no
Jardim de Infância.
A
sabedoria não estava no topo da montanha de conhecimento que é a faculdade, mas
sim, no alto do monte de areia do Jardim de Infância.
Essas
são algumas coisas que eu aprendi: Dividir tudo. Ser justo. Não machucar
ninguém. Colocar as coisas de volta no lugar de onde foram tiradas. Arrumar a
própria bagunça. Nunca pegar o que não é seu. Pedir desculpas sempre que magoar
alguém. Lavar as mãos antes das refeições. Dar descarga. Leite com bolachas
fazem bem para a nossa saúde.
Viver
uma vida balanceada: aprender um pouco, dançar um pouco, desenhar um pouco,
pintar um pouco, cantar um pouco, dançar um pouco, brincar um pouco e trabalhar
um pouco todos os dias.
Tirar
uma soneca todas as tardes.
Quando
sair na rua olhar: os carros, dar as mãos e ficar junto.
Lembra
daquela sementinha de feijão no potinho de Danone? As raízes crescem para cima
e ninguém sabe com certeza como ou por que, mas todos nós somos exatamente como
ela.
Peixinhos,
passarinhos, gatinhos e cachorrinhos e até mesmo a sementinha de feijão no
potinho de Danone - todos morrem - assim como nós.
E
então lembre-se dos livros de Chapeuzinho Vermelho e das primeiras palavras que
você aprendeu. As maiores de todas: Mamãe e Papai.
Tudo
o que você precisa saber está lá em algum lugar. Regras sobre a vida, o amor,
saneamento básico, ecologia, política, igualdade e fraternidade. Pegue qualquer
um desses termos e extrapole para sofisticadas palavras da linguagem adulta e
então aplique em sua vida familiar, trabalho, governo ou mundo, e tudo continua
firme e verdadeiro.
Pense
como o mundo seria melhor se todos nós - o mundo inteiro tomássemos leite com
bolachas as três horas da tarde, todas as tardes e depois, deitássemos com
nossos travesseiros no sofá da sala para uma soneca.
Ou
então, se todos os governos tivessem como política básica sempre colocar as
coisas de volta no lugar de onde foram tiradas e também sempre arrumar suas
próprias bagunças.
E
continua verdade, não importa sua idade, quando sair para o mundo dê as mãos e
fique junto.
De:
Bere <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,
5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: LIXO
LIXO
- É que eu tenho que fazer
minha própria comida. E como não sei cozinhar ... -
Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela
volte. -
Não! Você viu meus poemas? |
De:
Bere <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,
5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: PARADOXO
FUNDAMENTAL DO CONHECIMENTO
PARADOXO FUNDAMENTAL DO
CONHECIMENTO Um dos objetivos das ciências físicas era o de dar uma
descrição exata do mundo material. A conquista da física do século XX foi mostrar que esse
objetivo é inatingível. Ano após ano divisamos instrumentos mais precisos a
fim de observar a natureza - com maior precisão, mas, ao examinarmos as
imagens obtidas ficamos decepcionados, ao constatar serem elas ainda muito
indefinidas, trazendo-nos a sensação de que a incerteza é tão grande como
sempre foi. É como se estivéssemos perseguindo um objetivo que foge para o
infinito no momento em que o avistamos. Reconhecemos o mesmo objeto em diferentes ocasiões porque
ele permanece o mesmo e não porque permanece exatamente o mesmo. As coisas
permanecem toleravelmente semelhantes a si mesmas. No ato do reconhecimento
entra um julgamento - uma área de tolerância ou de incerteza (Princípio de
incerteza de Heinsenberg). A informação da qual o elétron é portador é limitada em
sua totalidade. Quer dizer, por exemplo, que sua posição e velocidade se
ajustam de tal forma a estarem confinados à tolerância do quantum. Dessa maneira,
o princípio de Heinsenberg postula que nenhum evento, nem mesmo os eventos
atômicos, pode ser descrito com certeza, isto é, com tolerância zero. No
mundo do átomo a área de incerteza é sempre mapeada através do quantum. No
ato do reconhecimento de um objeto entra um julgamento - uma área de
tolerância ou incerteza. A ciência compreendeu ser a troca de informação entre o
Homem e a Natureza e dos Homens entre si. Essa troca só é possível se si
trabalha dentro de uma margem de tolerância. Todo conhecimento, toda a
informação entre seres humanos só pode ser negociada tolerantemente. Tal
assertiva é verdadeira, quer se trate de ciência, de literatura, de religião,
de política e mesmo de qualquer forma de pensamento. J. Bronowski, 1983: A Escalada do Homem. Trad. Núbio Negrão. Martins Fontes / Ed.
Univ. de Brasília. Do original: The Ascent of Men.
British Broadcasting Corporation. Science Horizons Inc, 1973. |
De:
Bere <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,
5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: Relações do
Budismo com a Ecologia
Relações
do Budismo com a Ecologia. Buddha
foi o primeiro ecologista de que temos notícia. Entretanto, existe nas
tradições budistas alguma coisa referente a temas “ecológicos”? Bem,
exatamente sob o termo “ecologia”, que é uma palavra de raiz grega, não. Mas
existem um conjunto de Ensinamentos que são hoje a base do pensamento
“ecológico”. A
visão ecológica budista é uma visão global, levando em conta o homem e seu
ambiente, seu mundo interno e externo. Na equação ecológica budista entram
variáveis como a vida ética, o meio de vida correto, respeito à vida de todos
os seres, autoconhecimento, dar acesso igualitário às pessoas às riquezas
produzidas num país, promoção do bem-estar geral, Amor Universal, paz, organizar modelos ou unidades pequenas e
descentralizadas em todos os níveis da vida, etc, etc. A
visão ecológica que Buddha nos legou há mais de 2500 anos, é ainda totalmente
atual, pelo simples fato de que Seus Ensinamentos tratavam ontem, como hoje,
de coisas básicas a todo ser humano.
Antes de ensinar uma ecologia da Natureza, o Senhor Buddha ensinou uma
ecologia da Mente. Pela lógica budista é um contra-senso sair
gritando pelas ruas, por exemplo, contra a derrubada de árvores na Amazônia,
quando aqui mesmo ainda poluímos nosso ambiente com toneladas de lixo pelas
ruas e calçadas. O que deve mudar é a
atitude interior de cada um, para haver primeiro um maior respeito e senso de
responsabilidade pelo espaço em que se vive e se compartilha com o
semelhante. O Budismo diz que a verdadeira Revolução é a interior
- o resto vem em decorrência dela. É inegável que sair pelas ruas protestando
pelas ruas por uma causa justa tem imenso valor, mas as pessoas fazem isto
movidas pelo modismo, ou pela simples raiva, ou porque é “certo”, ou porque
ser ecológico é “in”. Não fazem isto porque é uma coisa que vem de dentro
delas, por Compaixão e reverência por todos os seres. É bem fácil de
encontrar uma pessoa que abrace uma causa ecológica, mas que na vida real e
privada viole todas as regras sensatas de boa convivência e relacionamento
com os seres humanos, não-humanos e ambiente ao seu redor ! Ecologia
significa hoje a busca do equilíbrio; muito mais que o mero estudo das
inter-relações. E hoje este
equilíbrio leva em conta muito mais fatores do que no tempo de Buddha, como a
banalização e generalização da pobreza; fatores políticos e tecnológicos, e
até morais. O respeito à vida, sua preciosidade e
inviolabilidade é garantido na primeira regra de conduta que todo budista
deve praticar, que é : “Comprometo-me com as regras de conduta, para
abster-me de destruir vidas”. Isto significa muito mais do que um simples
“não matarás”. Aquele que não
respeita a vida como um todo não é budista. Os Ensinamentos urgem que
desenvolvamos Amor e Compaixão por todos os seres, indistintamente, sejam
pessoas, animais ou plantas; seres visíveis ou invisíveis. Existem
diversas passagens da vida do Buddha e diversos sutras que demonstram bases
de atitude que hoje chamamos ecológicas, das quais gostaria de relatar três. A
primeira é uma passagem da vida do Sublime, quando Ele observava um rebanho
de carneiros, que avançavam lentamente, conduzidos por pastores. No rebanho
havia um cordeirinho manco, ferido. O Buddha foi ter com os pastores e
perguntou para onde eles estavam sendo levados. Os pastores responderam que,
por ordem do rei Bimbisara, o rebanho seria levado à noite para o sacrifício,
sendo imolados em honra dos deuses hindus. Na sala dos holocaustos, Buddha
viu brâmanes cantando mantras e avivando o fogo. Chegou na hora que um deles
estava pronto para cortar o pescoço de uma cabra estirada. Buddha não perdeu
tempo. Avançou correndo e dizendo: “Não a deixeis ferir, ó grande Rei!”, ao
mesmo tempo que libertava a cabra. E então dirigiu um sermão a todos, falando
da vida que todos podem tirar mas não podem dar, mostrando que tudo que vive
está ligado por um laço de parentesco. Disse também que derramar sangue, seja
de quem for, não alivia em nada o efeito dos nossos erros. Falou que, se os deuses eram realmente
bons, não poderiam se comprazer com a morte de milhares; e se eram maus, não
poderiam lançar para outro ser sequer o peso de um fio de cabelo dos erros
que cada um deve responder individualmente. Respeito à vida dos animais é
ecologia. O
segundo ponto é que Buddha lutou contra as diversas tiranias que encontrou na
sociedade indiana da época, como a segregação das castas, o abuso do poder da
classe sacerdotal bramânica, etc. Na verdade, toda tirania é afirmação do ego
e do egoísmo, e Buddha denunciou a tirania de nossas mentes subjugadas pela
avidez, pela ignorância, e pelas sujeiras mentais. Como antídoto para estas
coisas, Ele apresentou o autoconhecimento, a Sabedoria, o Amor e a energia. Na
época de Buddha, o orgulho e a tirania foram institucionalizados no sistema
de castas, que não permite a mobilidade social. Uma pessoa nascia dentro de
uma casta e nela morria, e infelizmente isto ainda ocorre para os indianos
que não se desvencilharam desta tradição insensata. Este sistema é dito ser
uma criação do deus Brahma, e tem sanção religiosa. Buddha confrontou
abertamente estas coisas, apresentando argumentos biológicos (que ninguém
nasce socialmente isto ou aquilo, mas vem a tornar-se) e a teoria da origem
dos reis e dos Estados ( que surgiram como uma resposta natural à necessidade
dos povos de segurança interna e externa).
A motivação do Buddha era a liberação de todos os seres. Respeito à
condição humana, baseada na igualdade de oportunidades é também ecologia. O
terceiro ponto está relatado no Sutra Sigalovada, onde Buddha explica detalhadamente os deveres entre pais e
filhos; amigos, discípulos e mestres. Fala também até em como se gastar o que
se ganha, quanto poupar; fala dos deveres de um cidadão e do Estado. Como o
sutra é muito grande, não dá para discorrer sobre ele aqui. O sutra, ao invés de falar de direitos,
fala somente de deveres e obrigações entre diversos grupos que, quando
preservados, levam à harmonia e justiça em sociedade. Se Buddha falasse de
direitos, isto só daria vazão ao egoísmo de um (grupo) achando-sse mais no
direito do que o outro. Quando cumprimos nossos deveres, os direitos do
próximo e os meus são automaticamente assegurados. A aplicação máxima dos
ideais budistas pode ser encontrada na sociedade inspirada pelo imperador
indiano Ashóka, que transformou a Índia de seu tempo numa potência de paz e
prosperidade. Em resumo, a harmonia das relações humanas também é ecologia. Como
o Budismo não sustenta, nem nunca sustentou a preponderância do ser humano
sobre a Natureza, ele nunca deu sanção religiosa à exploração da Natureza. Até a chegada dos europeus em massa
no Oriente, diversas nações já contavam com mais de mil anos de Budismo, e os
europeus ainda encontraram países com florestas exuberantes e faunas
preservadas. De lá para cá, a crescente influência ocidental tornou os
budistas distanciados de suas tradições espirituais e, portanto, mais
relaxados na conservação de seu patrimônio, dando livre caminho para a
ganância da exploração comercial da Natureza. Mas ainda existem preciosidades
como o Buthan e o Japão, ainda cobertos por florestas. Não
interessa para o budista especular se o mundo foi criado por um deus ou por
diversos. As teogonias são mutuamente excludentes e confusas... O que
interessa para o budista genuíno é a ação. Aliás, uma das coisas que
caracterizam uma pessoa como budista é se ela pratica o Ensinamento do
Buddha, e não a sanção de um rito religioso como o “batismo”. E, pensando em ação, o Buddha colocou a
Ação Correta e o Meio de Vida Correto como dois ítens indispensáveis da Nobre
Senda Óctupla. O budista deverá evitar ganhar a vida com uma ocupação que
seja nociva a si e aos demais. A subsistência correta está subjacente ao
Caminho budista. O ponto de vista budista considera o trabalho como sendo
tríplice em função: 1- dar ao homem a oportunidade de utilizar e desenvolver
suas habilidades; 2- possibilitar-lhe a superação de seu egocentrismo,
unindo-se a outros em tarefas comuns; 3- gerar produtos e serviços
necessários a uma existência digna. São infinitas as conseqüências que
decorrem desta concepção. Organizar o trabalho de modo que se torne maçante,
embrutecedor ou irritante, é uma atitude criminosa, que indica uma
preocupação maior com os bens de produção do que com as pessoas. Na visão
budista deste assunto, há dois tipos de mecanização: uma que realça a
habilidade e o poder do homem, e outra que transfere o trabalho de um homem
para a máquina. Ananda Coomaraswamy nos diz: “...há uma distinção entre uma
máquina e uma ferramenta. Por exemplo, o tear de tapeçaria é uma ferramenta,
o tear mecânico, porém, é uma máquina, e seu significado como destruidor da
cultura reside no fato de executar a parte essencialmente humana do
serviço”. Assim, existe uma economia
de moldes budistas, e essa economia é diferente daquela gerada pelo
materialismo, já que o Budismo vê a essência da civilização na purificação do caráter humano, a
que o trabalho se presta, e não na multiplicação das necessidades e
dependências, que a “Segunda Onda” de Alvin Toffler - a Era Industrial atual
que engoliu o mundo- produz. A tônica da economia budista é a simplicidade, o
saber usar corretamente nossos recursos, em todos os níveis; é a
não-violência. Segundo E.F. Schuhmacher, o maravilhoso no ponto de vista
econômico budista é a racionalidade absoluta de seu modelo - meios
espantosamente reduzidos, levando a resultados altamente satisfatórios. Em termos até de ecologia da Natureza,
este modelo econômico de milhares de grupos/aldeias e cidades, auto-sustentadas
e interrelacionadas, em subsistência correta, é um modelo que pode salvar o mundo da exaustão de seus recursos....
A
visão ecológica budista, então, engloba uma sábia economia ou meio de vida,
pois regula nosso relacionamento com o meio ambiente, sem maltratá-lo. Temos
de aprender a tocar o mundo de leve. O mundo de hoje só tem a ganhar
aplicando a economia ecológica e o meio de vida correto, como de fato muitos
setores e iniciativas particulares já vem fazendo. Os países budistas também
deveriam redescobrir esta tradição para seu próprio bem. Simplicidade e
não-violência andam de mãos dadas. A violência é resultado da escalada dos
desejos insatisfeitos e da ganância patrocinados pela cultura industrial que
gera dependências, consome quantidades enormes de matéria-prima para produzir
um supérfluo. As sociedades mais primitivas, com todo arco e flecha, talvez
fossem mais inócuas do que qualquer cidade do mundo moderno. Onde erramos? Nossa
vida diária também deve ser reflexo da sabedoria e do amor-compassivo.
Devemos ter a sabedoria de utilizar do que dispomos, sem destruir, sem
deteriorar condições, sem usurpar. Já dizia um anúncio da tv: “Sabendo usar,
não vai faltar!” . É uma grande verdade. Comemos mais do que necessitamos,
enquanto outros comem de menos. Taí a falta de espírito ecológico: satisfazer
o próprio desejo, sem pensar no quanto se destrói, no quanto se consome, na
quantidade de energia gasta para produzir uma pequena coisa; e ainda não
damos um só pensamento para quem está fora desse privilegiado clube. Segundo
os Ensinamentos do Buddha, deveríamos tocar o mundo de leve, utilizando o que
nos dá , renovando seus recursos renováveis. Se
falamos somente em preservação da Natureza, esquecendo que ela começa
primeiro dentro de cada um, então ela não será efetiva. E, seguindo o modelo
de organização budista, quando existir milhares de pequenas comunidades ou
grupos descentralizados, trabalhando no mesmo ideal, será mais fácil
administrar problemas; serão mais difíceis de se corromper, e mais eficazes
em cumprir suas metas. Carlos Lessa |
De:
Bere <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,
5 de Set de 2000 9:34am
Assunto: Como explicar o
inexplicável
Como explicar o inexplicável - Um conto de Maria
Cristina Zeballos de Sisto (Buenos Aires, março de 1995) do livro: Guía Práctica Ecologia Urbana – Centro de Investigaciones Ambientais
de Gustavo Beliz / Editora Nueva Dirigencia Maria
Cristina, advogada, certa vez deparou-se com uma pergunta de seu pequeno
Frederico, de 5 anos que lhe
questionou sobre o cheiro e a cor do rio que havia visto num passeio da
escola. Como lhe responder a esta questão? Como lhe explicar que esse era um
rio poluído? Como lhe explicar que pessoas como seus pais eram responsáveis
pela contaminação do rio? Como lhe explicar que para fabricar seus sapatos se
contaminam litros de água? Resolveu, então, criar um conto: Era uma vez, uma
gota de água que morava numa grande e gorda nuvem, e se chamava GOTITA. Certo
dia, la do alto da nuvem GOTITA viu no alto de uma montanha, um fio de prata
que descia e ficava cada vez maior e brilhava como o sol. Muito curiosa,
GOTITA perguntou a uma gota mais velha: - O que é aquilo tão
lindo que desce do alto da montanha? A gota mais velha
lhe respondeu que era a nascente de um rio que é formado por muitas outras
gotas que vivem viajando e moram com
muitos peixes e plantas aquáticas. - Quero ser rio
também! respondeu animadamente. Para sua sorte,
naquele momento começou uma forte chuva e GOTITA embarcou de carona para
conhecer aquela maravilha. Mergulhou fundo no rio e tudo era como a gota mais
velha lhe havia dito. Ali as águas eram cristalinas e foi então que começou
sua viagem. Logo deparou-se com
algumas mulheres lavadeiras às margens do rio. Elas despejavam no rio uma
água espumante e cheirosa e aquela água também seguia o curso do rio, então, tratou
de continuar sua viagem. Na manhã seguinte
encontrou um pescador que havia pescado um bagre bigodudo. Foi até a margem
para ver o que iria acontecer com o bagre e deparou-se com muitas latas e
potes plásticos no leito do rio. Aquilo já não era mais tão bonito... Seguiu sua viagem e
a noite avistou muitas luzes que pareciam mil estrelas e sentiu a música de
uma pequena cidade. Dois namorados diziam poesias quando ela passava, porém,
em seguida lhe ocorreu algo muito desagradável: de um grosso tubo começou a
sair um líquido marrom e de textura viscosa. Eram os dejetos de esgoto da
cidade. Daí em diante as coisas mudaram. A viagem deixou de ser encantadora.
O dono de um frigorífico sujou a água com sangue de um montão de animais e
contaminou o rio com restos de tanino que saiam de seu curtume. No dia seguinte
passou por uma usina que produzia energia para a cidade. Os que fabricam
eletrecidade utilizam a água do rio para esfriar as turbinas. Teve a sorte de
conhecer uma turbina por dentro. Este último passeio a esquentou um pouquinho
e alguns peixes morreram. A poucas horas adiante dos deságues de uma fábrica
juntaram-se umas substâncias que têm nomes muito difíceis e que são muito
perigosas. Realmente os humanos não deixavam GOTITA em paz. Neste momento ela
pensou: “Que complicado é ser rio”. Logo passou um barco cheio de troncos de
árvores que perdia petróleo que ele usava como combustível. Este último
acontecimento a perturbou um pouco mais. Nesta noite descobriu que as
estrelas quase não se refletiam na água e logo chegou a capital. Em seus
arredores vivia muita gente. A sujeira se amontoava nas margens e não se via
ninguém, somente muito lixo e entre ele, pneus de automóveis habitados por
muitos caracóis que transmitem aos humanos uma doença muito rara. Logo se deu
conta que o leito do rio estava coberto por algo negro. Escutou um senhor que
dizia que aquilo era petróleo. O andar do rio era cada vez mais lento. Um
automóvel velho era morada de muitos ratos as margens do rio. O rio já não
era mais puro e nem cantava o canto das cachoeiras. A GOTITA sentiu um odor
muito forte. Uma mamãe disse ao seu filho que não podia nadar neste rio
porque as águas estavam contaminadas e o contato com essa água era muito
perigoso. Neste momento a GOTITA avistou uma professora com seus alunos.
“Eles vão querer brincar comigo”, pensou a GOTITA, porém somente escutou a
voz de Frederico perguntando: ”o que é isso que cheira tão mal?” . GOTITA
encheu seu coração de pena e ela se sentiu muito leve pois o sol começou a esquenta-la
e a transformou novamente em nuvem. Suspirou de alívio, “Que susto”, exclamou
“Estou limpa e de novo em casa”. Quando se preparava
para descansar de sua longa viagem desde o começo, viu uma grande mancha
negra que entrava no mar: esse era o rio da Prata. Assim Frederico
aprendeu como os homens podem transformar a natureza. Tradução e Adaptação - Berenice Gehlen Adams |
De: Eduardo
Bernhardt <edubenhar@openlink.com.br>
Data: Ter,
5 de Set de 2000 9:57am
Assunto: Para reflexão
O HOMEM
Um cientista vivia
preocupado com os problemas do
mundo e estava resolvido a encontrar meios para minorá-los. Passava dias em seu
laboratório em busca de respostas para suas dúvidas. Certo dia, seu filho de
sete anos invadiu o seu santuário decidido a ajudá-lo a trabalhar. O cientista
nervoso pela interrupção, pediu ao filho que fosse brincar em outro lugar.
Vendo que seria impossível removê-lo, o pai procurou algo que pudesse ser
oferecido ao filho com o objetivo de distrair sua atenção. De repente
deparou-se com o mapa do mundo, o que procurava! Com o auxílio de uma tesoura,
recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva,
entregou ao filho dizendo: - Você gosta de quebra-cabeças ? Então vou lhe dar o
mundo para consertar. - Aqui está o mundo todo quebrado. Veja se você consegue
consertá-lo bem direitinho! Faça tudo sozinho. Calculou que a criança levaria
dias para recompor o mapa. Algumas horas depois, ouviu a voz do filho que o
chamava calmamente: - Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho! A
princípio o pai não deu crédito as palavras do filho. Seria impossível na sua
idade ter conseguido recompor um mapa que jamais havia visto. Relutante, o
cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho
digno de uma criança. Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os
pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o
menino havia sido capaz ? - Você não sabia como era o mundo, meu filho, como
conseguiu ? - Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel
da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem.
Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei mas não consegui. Foi aí
que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem, que
eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que
havia consertado o mundo.
De:Alexandre Pimentel
[ale.pimentel@bol.com.br]
Jornal do
Brasil, Domingo, 10 de setembro de 2000
MARCELO
AMBROSIO
A guerra
biológica na Amazônia é real. Está bem ali do nosso lado, na Colômbia, ainda
restrita a laboratórios mas perto, muito perto, de mudar de cenário. Para
cumprir o prazo de cinco anos estabelecido pela ajuda militar americana para
erradicar metade das plantações de coca e papoulas nas suas florestas, o país
terá que usar mais do que as toneladas de herbicidas químicos que vem
despejando de aviões desde 1976. A ameaça não dimensionada à biodiversidade
está no compromisso para o uso de fungos e outros vetores sobre a floresta,
confirmado finalmente pelo governo no fim do mês passado depois de muitas
negativas. Adotar a "solução verde" foi a maneira de acabar com
culturas ilícitas de forma, aparentemente, seletiva.
"Foi
iniciada uma investigação sobre possíveis controles biológicos a partir da
fauna e da fora nativas, com a qual se assegura não existir risco para o
meio-ambiente e a saúde", afirma o Ministério do Meio-Ambiente colombiano
em nota oficial. O comunicado responde às críticas à proposta de se usar na
floresta um herbicida que teria sido desenvolvido com DNA de um tipo importado
do fungo Fusarium Oxysporum.
Risco - A resposta
esconde mais do que explica. Isso porque, entre as possibilidades de controle
biológico nativo - e é preciso que se encontre uma rapidamente - fungos como
este têm a preferência pelo ataque interno às plantas, que morrem, em média, em
três semanas. "Temos um tipo de Fusarium Oxysporum nas regiões onde
se plantam a coca e a papoula. Provavelmente será esse o caminho a seguir. E é
perigoso da mesma forma", avalia o sociólogo e escritor colombiano Ricardo
Vargas, há 12 anos analisando os efeitos sociais e ambientais da dispersão
química por aviões na floresta e em seus habitantes.
Ligado à
ONG Acción Andina, Vargas está certo de que o projeto, que custará US$ 3
milhões, já começou, longe dos olhos da opinião pública e vai além da simples
pesquisa, como vinha dizendo o Ministro do Meio-Ambiente, Juan Mayr. "Não
se faz pesquisa sem objetivo prático. É parte essencial do plano assinado com
os Estados Unidos e não haverá ajuda se não for cumprido. E o tempo é muito
curto", analisa, revelando que a coordenação das pesquisas, secretas,
estaria a cargo da Polícia Antinarcóticos do Ministério da Justiça. "Os
ministério da Saúde e do Meio-Ambiente não têm acesso", garante ele, por
telefone, de Bogotá.
Nota - A desconfiança
está baseada também nas contradições do discurso oficial. A nota do Ministério
do Meio-Ambiente afirma que o projeto inicial - de testes com o Fusarium
importado - tinha apoio do Programa Internacional de Drogas das Nações Unidas.
Será?
"Isso simplesmente não existe. O principal elemento da nossa estratégia é
o desenvolvimento alternativo. Trabalhávamos com o governo da Colômbia para um
método ambientalmente seguro à erradicação de cultivos ilícitos por fumigação
aérea, mas não chegamos a nenhum acordo", declarou o diretor executivo do
Programa das nações Unidas para Fiscalização Internacional de Drogas (UNDCP),
Pino Arlacchi, em comunicado emitido em Viena, Áustria, no último dia 2.
Área - A UNDCP está tão preocupada
que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, designou um alto
funcionário da instituição para acompanhar o caso. O emissário, o norueguês Jan
Egeland, já está trabalhando em Bogotá. Procurados pelo JORNAL DO BRASIL,
os representantes do governo negam tudo, até o teor da nota que emitiram.
"Não vamos usar nada biológico. A erradicação deverá ser obtida através da
fumigação com herbicidas e do corte manual", declarou o porta-voz do
ministério, Carlos Rangel.
Ricardo
Vargas contesta a afirmação usando a "matemática da coca".
"Desde 1976, as plantações cresceram numa proporção muito mais rápida que
a capacidade de fumigação. Dessa forma, nem em cem anos eles conseguirão acabar
com os cultivos. Mas certamente acabarão com a floresta antes disso",
analisa. Em tempo: em 1994 existiam 40 mil hectares plantados com coca na
Colômbia. Hoje, depois de fumigados 230 mil hectares apenas nos anos 90,
restaria ainda o triplo a ser atacado, apesar de o governo colombiano ter
anunciado, quinta-feira, que em 2000 já foram destruídos quase 43 mil hectares.
Centro da
discussão sobre o controle biológico da planta da coca, o fungo Fusarium
Oxysporum tornou-se a vedete dos debates sobre a guerra biológica na
Amazônia depois que, no início de julho, foi divulgada a informação de que seu
uso, ou melhor, o uso de uma parte do seu DNA que ataca especificamente a coca,
serias importada com o aval da ONU para fazer parte do pacote antidrogas na
Colômbia.
Segundo a
micóloga da Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz, Kátia Rodrigues, o Fusarium é
um tipo de fungo fitopatogênico, ataca apenas as plantas. "Ele se aloja no
sistema radicular das espécies, causando danos vasculares e impedindo que haja
circulação de seiva. A planta morre asfixiada", analisa. Kátia confirma a
possibilidade de um ataque específico. "Há um tipo de fungo na família que
afeta a Eritroxilum coca, como a planta da coca é conhecida. O problema
é que fungos atacam também insetos e outras plantas. Ninguém sabe que tipo de
dificuldade surgiria da introdução de grande quantidade de uma espécie. Será
que ele destrói somente a coca?", pergunta.
Além da
questão da manipulação, a micóloga ressalta que é preciso lidar com os fungos
tendo em mente que eles se alteram. "O próprio Fusarium encontrado
aqui no Brasil antes fitopatogênico, já está causando infecções sistêmicas em
pacientes imunodeprimidos, como os soropositivos, além da onicomicose, uma
doença nas unhas e ceratite, inflamação da córnea", descreve a cientista.
Curiosamente, uma das culturas do laboratório da Fiocruz veio das areias da
Praia de Ipanema.
A sombra tóxica do Glifosato
Independente
do desmatamento que cria ao destruir as plantações, os efeitos da fumigação
prolongada com o herbicida Glifosato sobre as áreas de coca e papoulas já
começaram a aparecer. E poderão, segundo o cientista colombiano, chegar ao
Brasil pelos rios Japurá e Icá, no Amazonas. Nos Estados Unidos, o fabricante
foi obrigado judicialmente a retirar do rótulo a expressão
"biodegradável". "E o que tenho visto confirma que é um
produto que se acumula. Só morre 27% daquilo que se fumiga", conta ele.
Nos catálogos disponíveis no Brasil, o Roundup, ou Fosfometilglicina,
aparece como um herbicida de persistência curta no ambiente, com deslocamento
pequeno, absorção lenta pelas plantas e sem seletividade. Em áreas
de pasto, o local atingido pelo spray aéreo costuma ficar amarelado
por mais de um ano. "O gado que consome essa gramínea perde peso e
pelos. Além disso, morrem galinhas e outros pequenos animais. Espécies
inteiras de peixes desaparecem de uma hora para outra", afirma outro
cientista, o biólogo holandês Martin Jelsma, do Instituto Transnacional,
organização com sede em Amsterdam que se dedica à pesquisa do narcotráfico em
todo o mundo. Porém,
mais que os animais, é a população que sofre. "A ingestão da água de
rios ou de alimentos nessas regiões tem provocado vômitos, diarréia, dores de
cabeça e náusea. Sabe-se lá que moléstias virão", descreve o biólogo. No
ecossistema, o maior prejuízo é o desaparecimento de uma espécie de palma, o
Cananguchal, "oásis vegetal" que abriga e alimenta vários animais e
pássaros amazônicos. É também essencial à vida dos índios, que a chamam de Árvore
da Vida, tal a gama de utilizações. E não
foram poucos os litros de Glifosato lançados em vôos que, atualmente, atingem
também culturas de subsistência das comunidades rurais pobres. São misturadas
às plantações de coca como uma tática dos traficantes ou alternativa
desesperada de quem já teve a terra atingida indiscriminadamente - um dos
efeitos sociais mais drásticos da fumigação. Segundo Jelsma, entre 1992 e
1998, 1.897.357 litros de Glifosato foram jogados sobre áreas de coca. As
papoulas receberam, no mesmo período, 540.979 litros. Poderia
ser pior. Por pressão americana, testes com os herbicidas granulados Imazapyr
e Tebuthiuron foram feitos na Colômbia. Contra a vontade do mesmo Ministério
do Meio-Ambiente que garante que a pesquisa biológica não será usada e dos
próprios fabricantes. "Além de mais tóxicos, eles poderiam ser lançados
a uma altitude maior, contra os 10 a 15 metros do Glifosato. Com isso, áreas
muito maiores seriam afetadas", avalia Ricardo Vargas. Ameaça real
Sociólogo,
autor de vários livros sobre temas andinos, com larga experiência no
acompanhamento local dos efeitos sócio-econômicos da ação contra drogas nas
florestas colombianas, Ricardo Vargas é um dos muitos cientistas que vêm
tentando representar, para a sociedade, o papel de "periscópio",
furando o muro de silêncio em torno do combate biológico às drogas erguido à
sombra dos compromissos assumidos com o Plano Colômbia. Compromissos que,
segundo ele, impõem muito mais em consequências do que cedem em soluções,
sobretudo no campo econômico. "O único benefício comercial que o país
terá será a facilidade na entrada, no mercado americano, de produtos têxteis
e manufaturados. Isso deixa toda a população envolvida com o plantio da coca
de fora de qualquer programa de substituição", afirma. O tema é tão
preocupante para a comunidade científica dos países vizinhos que será objeto
de uma conferência internacional que será realizada em Quito, no Equador, em
outubro. - No
que o sr. se baseia para temer a pesquisa anunciada pelo governo ? - Em
25 anos de ataque aos cultivos ilícitos, nunca foram realizados estudos de
impacto sobre a saúde e o meio-ambiente provenientes do lançamento de
herbicidas. Não há acesso, estrutura e equipamentos para medir o impacto, que
já é sério sem a guerra biológica. Se não foram criados dispositivos para
estudar os efeitos dos herbicidas, logicamente não o serão para fungos e
outros agentes. -
Quais seriam os riscos para países vizinhos como o Brasil? - O
argumento de que se tentará usar apenas agentes biológicos nativos é uma
desculpa para escapar das críticas ao Fusarium importado. Para o prazo
acordado, até 2005, a alternativa poderia ser o mesmo Fusarium Oxysporum
que há na semente da coca, que é controlado pela natureza. Espalhar
quantidades maiores representa um desastre potencial para toda a Amazônia.
Incluindo a brasileira. - Por
que?
- Porque
em um ambiente natural estariam entrando mais agentes, mesmo nativos, de uma
mesma espécie muito superior ao que a natureza consegue administrar. Os
efeitos dessa superpopulação são imprevisíveis. - O
governo nega. - O ministro
do Meio-Ambiente, Juan Mayr, enviou uma carta à Organização de Povos
Indígenas Colombianos afirmando que o controle biológico é uma alternativa
que está sendo buscada. O estilo de governo aqui é assim, vertical,
excludente, secreto e arbitrário. A comunidade científica não participa do
projeto. -
Qual foi a reação dos países mais próximos à decisão pelo ataque biológico? - Estão
temerosos. Peru e Equador, por exemplo, já proíbem qualquer tipo de pesquisa
com agentes biológicos e até a fumigação. A Bolívia não proibiu, mas, segundo
o presidente Hugo Banzer, os pés de coca estarão extintos lá antes que o
agente esteja desenvolvido. Não sei do Brasil. -
Nunca houve acompanhamento dessas questões? - Até
1986 algumas comissões estiveram fizeram análises. Os governos anteriores
criaram mais exigências e debates, mas não condições técnicas. Somos o país
que mais fumigou cultivos no mundo e o que menos sabe do impacto sobre a
saúde. -
Voltando ao Brasil, a ameaça biológica assusta. Mas a contaminação por
químicos não é mais imediata? - Sim, e
mais drástica. Apenas entre 1992 e 1998, foram jogados na floresta 1 milhão e
900 mil litros de herbicida Glifosato (conhecido como Roundup) sobre
áreas de coca e 541 mil litros sobre papoulas. Tudo isso foi para algum
lugar. -
Para onde? - A água
leva o excesso do herbicida, e também os produtos usados para prepará-lo,
como vinagre e dispersante, um surfactante altamente tóxico. Além disso, o
solo recebe químicos do processamento da pasta base da coca, como gasolina,
cimento, ácido sulfúrico e permanganato de potássio. - Que
áreas o Sr. apontaria na Colômbia como críticas? O Brasil pode estar sofrendo
esse envenenamento? - Eu
destacaria os vales dos Rios Putumayo e Caquetá. Os dois estão arrastando uma
quantidade de elementos para o seu país, para o Amazonas. (No Brasil, o
Putumayo vira Japurá e o Caquetá é rebatizado de Icá). - Os
defensores do herbicida afirmam que não é agressivo ao meio-ambiente. O que
leva o sr. a concluir o contrário? - O
tempo do uso e também o fato de que, na Colômbia, a proporção da mistura não
é a recomendada pelo fabricante (a americana Monsanto). O ideal é que
em 200 galões, 10 sejam de Glifosato, 184 de água, 4 de vinagre e dois de
surfactante. Dois a três litros são suficientes para desfolhar um hectare (10
mil metros quadrados). Aqui se usam 13 litros por hectare em uma mistura
que, muitas vezes, traz o dobro da quantidade de herbicida. (M.Am.) |