Artigo:
O "Ambiental" como valor substantivo: uma reflexão sobre a identidade da EA
Carvalho, I. C. M. O 'ambiental' como valor substantivo:
uma reflexão sobre a indentidade da educação ambiental. In: Sauvé, L.
Orellana, I. Sato, M. Textos escolhidos em Educação Ambiental: de uma América
à outra. Montreal, Publications ERE-UQAM, 2002, Tomo I, pp 85-90 (versão
em português).
O "Ambiental" como valor substantivo: uma reflexão
sobre a identidade da EA
Isabel Cristina de Moura Carvalho
Psicóloga e educadora
Resumo
O atributo "ambiental", longe de cumprir apenas uma função adjetivante, ao especificar uma educação em particular, constitui um traço identitário da EA, marcando sua origem num contexto histórico determinado: os movimentos sociais ambientais e seu horizonte de crítica contracultural. É neste último sentido que o "ambiental" ganha uma função substantiva, ao demarcar o pertencimento desta educação a uma tradição ambiental e seu universo de valores, práticas e atores sociais.
No debate recente sobre renomear esta prática educativa como educação para o
desenvolvimento sustentável (DS), o que parece estar em jogo é uma disputa
entre um conceito de DS, construído no ambiente institucional e conciliatório
do debate da ONU após 1989 e as raízes contraculturais da educação
ambiental, advindas do movimento ecológico.
Este artigo analisa esta questão presente no debate internacional, tendo em
vista a perspectiva da educação ambiental no Brasil.
Objetivos gerais: Este artigo visa problematizar
alguns aspectos em jogo na construção de uma identidade político-pedagógica
da EA. Para tanto, toma como situação emblemática o atual debate sobre as
preferências entre os conceitos de educação ambiental ou educação para o
desenvolvimento sustentável como o mais apropriado para nomear as práticas
educativas voltadas para o meio ambiente.
Palavras chave: campo ambiental, movimento
ecológico, contracultura, desenvolvimento sustentável.
O "Ambiental" como valor substantivo: uma
reflexão sobre a identidade da EA
Isabel Cristina de Moura Carvalho
1.O campo ambiental e a crítica contracultural à
sociedade moderna e ao modelo de desenvolvimento
A EA é uma prática que, ao menos na América Latina e no
Brasil em particular, se construiu em sintonia com a crítica social dos
movimentos ecológicos, num contexto de difusão da temática ambiental na
sociedade. Isto tem como conseqüência o pertencimento da EA a um campo social
historicamente construído: o campo ambiental[1]. Esta filiação, como
veremos ao longo deste artigo, confere a EA uma tradição de crítica radical
da sociedade -- o que na esfera propriamente pedagógica se expressa como crítica
a educação formal tradicional e a busca de uma nova forma de educar -- que
nada tem em comum com o contexto político e ideológico de modernização do
ideário desenvolvimentista, onde é formulado o conceito de
Desenvolvimento sustentável (DS). Substituir o atributo ambiental, designando
em seu lugar uma educação para o DS, significa a perda de um atributo identitário
e de uma tradição crítica para capitular diante do modelo contra o qual o
ecologismo se insurge: ideologia do desenvolvimento e do homo ecomomicus --
mesmo que seja um desenvolvimento com uma face ambiental.
Por tudo isso, o atributo "ambiental" está
longe de ser um qualificador neutro. Desde que os conceitos de natureza e meio
ambiente abandonaram os limites da ciência ecológica e passaram a designar uma
agenda de lutas sociais passaram a ser vistos não apenas como mais uma questão
a ser equacionada pela lógica científica mas, sobretudo, como um
valor crítico do modo de vida dominante, em torno da qual tem se organizado um
importante debate acerca de novos valores éticos, políticos e existenciais que
deveriam reorientar a vida individual e coletiva.
É bom lembrar que, apesar de sua orientação crítica,
este espaço argumentativo, está longe de configurar um campo discursivo e
ideológico homogêneo. Ao contrário, tem sido palco de múltiplas interpretações
que disputam os sentidos do "ambiental". Isto ocorre não apenas
dentro do ideário ambientalista -- vide o vasto leque de orientações que
definem as clivagens no ambientalismo (materialismo, pós-materialismo, ecologia
profunda, realismo/pragmatismo, fundamentalismo, socioambientalismo etc.) -- mas
também nas esferas do Estado e do mercado, onde surgem uma diversidade de
formas e dispositivos de intervenção ambiental como, por exemplo, novas
modalidades de áreas e recursos preservados (reservas extrativistas, reservas
da biosfera etc.), a troca da dívida externa por natureza, as agendas sustentáveis,
as condicionalidades ambientais, o ecoturismo, a certificação ambiental, a
conversão tecnológica de
processos produtivos etc.
No entanto, a despeito da heterogeneidade das orientações
que constituem o campo ambiental este tem sua origem histórica e seu ideário
fundador no movimento ecológico que se afirma pela critica radical a sociedade
capitalista industrial de consumo e ao modelo de desenvolvimento econômico das
sociedades afluentes, no contexto contracultural dos anos 60. Na sua condição
de filho da contracultura[2] o movimento ecológico integra o marco dos chamados
movimentos socioculturais pós-sessentistas, ou ainda, um "macromovimento
sociocultural" (Corazzi, 1994), observado entre as classes médias urbanas
do Ocidente, a partir da década de 60, cuja direção de mudança aponta para a
autonomia como valor central. Neste sentido, o pacifismo, o ecologismo e o
movimento feminista são reconhecidamente os herdeiros diretos deste
"macromovimento" e de seu traço distintivo: a crítica a sociedade
dominante e a luta por autonomia e emancipação.
Os movimentos ecológicos, partícipes deste "espírito
do tempo", contribuíram para levar a crítica ao capitalismo industrial à
esfera pública, e promover um ideário emancipatório que poderia ser
considerado como fundador da história política do campo ambiental. Este
ideário, em que pese suas diferentes ênfases e interpretações, tem se
constituído como uma espécie de metanarrativa ético-política com grande
recursividade para as práticas ambientais educativas.
No plano internacional e também no Brasil, uma boa
parte dos ecologistas em geral e dos educadores ambientais em particular tem num
ethos contracultural -- entendido em sentido amplo, seja como engajamento
pessoal em movimentos contraculturais seja enquanto a adoção de valores
contraculturais como orientadores de uma visão de mundo e estilo de vida --
uma importante referência identitária. Verificamos a partir da análise de
trajetórias de educadores ambientais que isto se dá tanto pela via de uma memória
histórica do movimento ecológico, que tem seu momento de emergência e
repercussão no contexto da onda contracultural, quanto pela via de uma memória
pessoal geracional e intergeracional[3].
Depois do período fundacional dos anos 60/70, nos anos
80/90 o ecologismo contracultural vai integrar-se ao conjunto dos chamados Novos
Movimentos Sociais, caracterizados pelas demandas culturais de reconhecimento
das identidades de gênero, etnia, idade e sexo, configurando uma nova cultura
política entre os movimentos sociais.
Os anos 80 no Brasil foram os anos da "abertura"
política, que se seguiram ao fim do regime militar, onde se destaca o movimento
pelas "diretas já", em 1984. É uma década de esperança e
crescimento dos movimentos sociais. Aposta-se na reconquista dos direitos civis
e políticos usurpados pelo golpe militar, bem como no avanço dos direitos
sociais, que deram o tom ao processo de elaboração da nova Constituição
Brasileira de 1988. Os novos movimentos sociais e o movimento ambiental em
particular reforçaram, nesse contexto de abertura e "empowerment" da
sociedade civil, a ampliação da esfera pública. Com a inclusão, no rol das
lutas sociais, de uma série de "novos direitos" -- direito ao meio
ambiente, direito das mulheres, direito a livre escolha sexual, direito a
informação, entre outros -- estes movimentos instituem novas sociabilidades
que reatualizam um ideário existencial e político de corte emancipatório
e autonomista, em continuidade com a herança contracultural.
As práticas de EA no Brasil surgem principalmente a
partir de meados dos anos 80, neste contexto de difusão da temática ambiental
como um valor expresso em um novo marco dos direitos sociais, promovido pelos
novos movimentos. Ainda de forma um pouco dispersa, é a partir desta década
que educadores passam a se chamar "ambientais" e, num ritmo crescente
organizam-se encontros estaduais nacionais, e mais recentemente
latino-americanos, que poderiam ser vistos como espaços de construção
de uma identidade social e profissional em torno das práticas educativas
voltadas para o meio ambiente [4].
2.A EA como ação educativa do campo ambiental
Desta forma, a construção de uma prática educativa
nomeada como Educação Ambiental e a identidade profissional de um educador
ambiental a ela associada são desdobramentos que ganham sentido como parte da
estruturação do campo ambiental e dos contextos políticos e culturais que
este articula. A EA está profundamente marcada pelos limites e possibilidades,
bem como pelas disputas internas e externas ao campo. É neste contexto de
disputas que vão se delinear, as diferentes ênfases e compreensões acerca da
problemática ambiental e, por conseguinte, dos conceitos, programas, análises
pedagógicas e políticas voltadas a intervenção em EA. É neste contexto também
que o debate sobre uma educação ambiental ou uma educação para o
desenvolvimento sustentável se insere.
Reconhecer o pertencimento da EA ao campo ambiental,
posicionando-a na esteira dos movimentos sociais e ecológicos mais que ao campo
institucional educativo estrito senso é, de certa forma, uma tomada de posição
nesta disputa político-conceitual. A referência ao contexto histórico de onde
surge este posicionamento é importante, pois como sabemos, esta experiência não
é completamente generalizável. Em países como a Austrália e em parte nos
EUA, por exemplo, a EA parece se constituir como uma ação pedagógica mais
ligada a outras tradições como o conservacionismo, o manejo de áreas naturais
e a educação formal. Contudo, no Brasil, no México[5] e outros países
da América Latina a EA mostra-se como uma prática que nasce e ganha força no
contexto dos movimentos sociais e da difusão da temática ambiental na
sociedade para em seguida ingressar e ser legitimada na esfera educativa
institucional propriamente dita. Isto verifica-se, por exemplo, no Brasil, tanto
no âmbito das políticas públicas e legislações sobre EA, como no circuito
das publicações em EA (Trajber & Manzochi, 1996), onde a presença dos
organismos e instituições governamentais de meio ambiente é maior e mais
antiga do que as instâncias institucionais de educação.
Evidentemente que a EA, ao constituir-se enquanto prática
educativa adentra o campo da educação e é da confluência entre o campo
ambiental e algumas tradições educativas que vão surgir orientações específicas
dentro da EA[6]. Contudo, esta interseção entre os campos ambiental e
educativo, no caso da EA parece se dar mais como um movimento da sociedade para
a educação, repercutindo no campo educativo os efeitos conquistados pela
legitimidade da temática ambiental na sociedade. A educação -- um campo
social tipicamente aplicado, multidisciplinar e portanto altamente sensível as
novas demandas e temáticas sociais -- incorpora a preocupação ambiental em
seu universo propriamente educacional, transformando-a em objetos da teoria e prática
educativa[7].
É, portanto, principalmente no contexto de uma política
afirmativa das novas temáticas culturais e atores sociais que mais e mais
educadores tem, ao longo dos últimos anos, incorporado um ideário ecológico
em sua prática educativa passando a chamar-se educadores ambientais.
3. Educação para o DS: a identidade ambiental em
risco
Como já alertou Nietzsche (1983:19), "o direito de
dar nomes vai tão longe que se pode considerar a própria origem da linguagem
como um ato de autoridade". Assim, cabe explicitar o que está em jogo
nesta disputa pela (re)nomeação, que põe em cheque o atributo
"ambiental" e todos os sentidos históricos, políticos e identitários
a ele associados.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável que está tentando impor-se como nova face da educação em substituição ao "ambiental", é fruto do debate dos anos 90, e carrega as marcas de um contexto sociocultural muito diverso daquele que originou o atributo ambiental, como vimos tentando descrever neste artigo.
Na década de 90, consolidam-se os processos de globalização
econômica sob o signo de um capitalismo triunfante; deflagra-se a crise do
Estado Nacional, do projeto de um Estado de bem estar e de uma visão de
cidadania como garantia e expansão de direitos sociais. Os anos 90 colocam em
xeque a revolução como horizonte[8], instaurando uma crise no seio dos
movimentos sociais, que perdem o papel protagonista que tiveram nas décadas
anteriores. Nesta nova configuração social, o conflito tende a se diluir num
grande e obscuro consenso.
Sob este pano de fundo a crítica ambiental tende a perder
sua radicalidade embora as práticas ambientais continuem a ser difundidas e a
crescer em importância, tornando-se objeto da disputa simbólica por novos
atores e projetos sociais. Principalmente com a realização da Conferência
da ONU sobre Meio ambiente e desenvolvimento, em 1992 (ECO-92)[9], o que era uma
temática específica dos movimentos ecológicos foi internalizada de diferentes
maneiras tanto por outros movimentos sociais (movimento de mulheres, movimentos
populares, sindicais etc.) e Organizações Não-Governamentais - ONGs[10];
quanto por outros campos e atores sociais.
É neste novo contexto sociocultural dos anos 90, de
ampliação da disputa política pelos sentidos do "ambiental" que
nasce o conceito de Desenvolvimento Sustentável (Comissão Brundtland, 1989) e,
posteriormente, a proposta de uma educação para o DS -- principalmente
defendida pela UNESCO, a partir de 1994. Nesta década, de grande complexificação
do campo ambiental podemos notar ao mesmo tempo o fortalecimento institucional
da EA mas também um recuo do ideário de transformação da sociedade.
Neste ambiente, fortalecem-se as propostas diplomáticas e
conciliatórias das grandes conferencias e acordos internacionais contra uma
tradição ambiental de crítica radical a sociedade. O próprio conceito de DS
é um exemplo disto, trazendo em sua origem o projeto de conciliar a
sustentabilidade ambiental com o crescimento econômico, sem rupturas com a
ideologia do desenvolvimento. Esta noção de sustentabilidade significa o
fortalecimento do modelo de desenvolvimento, na medida em que o moderniza e
busca atenuar sua face predatória tornando-o mais palatável através de uma
certa "ambientalização". Como já analisamos em trabalho
anterior as tentativas de corrigir o modelo desenvolvimentista incorporando as
externalidades ambientais, por exemplo, deixa intacto sua lógica central
baseada no imperativo do crescimento econômico, da economia de mercado e de um
estilo de vida orientado para o consumo[11].
Deste modo, o conceito de DS também se tornou um conceito
em disputa no campo ambiental, sendo em princípio mal recebido pela comunidade
ambientalista, que depois passou a qualificar a sustentabilidade a partir da
defesa da idéia de uma sociedade sustentável contra a idéia de um
desenvolvimento enquanto crescimento sustentável, tentando deslocar o conceito
de sua origem desenvolvimentista, buscando sua tradução para a agenda política
dos movimentos sociais e da luta por cidadania. (Leroy& Acselrad, 1999;
Acselrad, 1999; Fórum Brasileiro de ONGs, 1992). No contexto da educação,
como já foi argumentado, a proposta de uma educação para o DS não traz uma
nova fundamentação educativa mas, ao contrário, reafirma o paradigma
epistemológico do desenvolvimentismo (Sauvé,1999). Neste sentido, como analisa
Gaudiano (1999) para a América Latina: "a substituição do conceito de EA
por um novo implica na renuncia de um ativo político com um custo demasiado
alto, desconhecendo o esforço dos sujeitos específicos que construíram esta
forma discursiva" (Gaudiano, 1999:20)
Este é um debate que está em pleno curso. Demarca uma
disputa de hegemonia que contrapõe claramente um ideário ambiental emancipatório
de tradição crítica ao modelo dominante e as dinâmicas de ambientalização
deste modelo que jogam a favor de sua modernização e re-legitimação.
Neste sentido, adotar uma educação para o DS pode por em risco uma identidade,
uma tradição e um capital simbólico que sustenta a utopia ambiental de uma
luta contra-hegemônica e emancipatória para capitular diante deste instável
conceito, que nasce do coração do status quo -- tantas vezes denunciado pela
crítica ecológica como a raiz dos problemas socioambientais.
Bibliografia
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Brasil sustentável e Democrático, Rio de Janeiro, FASE.
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In: Soares, M.C.C (org.) Divida externa, desenvolvimento e
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Gaudiano, E. G.(1999) "Outra lectura a la história
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Vozes.
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e Cia Editores, 4ª ed.
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Sauvé, L. (1999) "La educación ambiental entre la
modernidad y la posmodernidad". In: tòpicos en Educación Ambiental. 1
(2), agosto.
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Notas
1 Tomamos aqui a acepção de campo social em Bourdieu
(1989) para pensar a formação de um campo ambiental como um espaço de relações
sociais e históricas onde se produz e reproduz a crença no valor da natureza
como um Bem que deve ser preservado, acima dos interesses imediatos das
sociedades. O campo ambiental, se constitui, portanto, na disputa pelo poder
simbólico de nomear e atribuir sentido ao que seria a conduta humana desejável
e um meio ambiente ideal. Em torno desta problemática fundamental, o campo
ambiental vai produzir visões de mundo, um circuito de produção de
conhecimento, um espaço de comunicação, e uma arena de ação político e
educativa. Este campo se institui concretamente através de conjunto
de movimentos, associações, corpo de especialistas, publicações, formas próprias
de manifestação da ação política de seus militantes, vocabulário de termos
e conceitos para expressão de seu ideário, formas de pensar etc. Estas varias
dimensões da configuração do ambiental podem ser concebidas como formas de
estuturação do campo que, para se afirmar enquanto um sistema simbólico
eficaz e estruturante de sentidos na sociedade, necessita estar estruturado.
2 A contracultura é definida por Outhwaite &
Bottomore como uma "cultura minoritária caracterizada por um conjunto de
valores, normas e padrões de comportamento que contradizem diretamente os da
sociedade dominante" (Outhwaite & Bottomore, 1996:134), está
historicamente ligada aos valores e comportamentos da mais jovem geração
americana dos anos 60/70 que se revoltavam contra as instituições culturais
dominantes de uma sociedade afluente, otimista e confiante que viveu um boom
econômico pós segunda guerra. A luta contra a guerra do Vietnã, os festivais
de rock, a valorização do oriente e de novas espiritualidades, o auto aperfeiçoamento
são parte de uma luta anti-elitista, anti-autoritária de uma "minoria
profética desencantada com os valores materialistas da América Branca"
(Newfield, 1967). A contracultura transcendeu os limites da vida sócio-política
americana e marcou uma revisão crítica para a sociedade ocidental, fazendo
adeptos e instituindo-se como um estilo de vida.
3 Refiro-me aqui a pesquisa de campo sobre trajetórias de
educadores ambientais no Brasil, parte de minha tese de doutorado pela Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade federal do Rio Grande do Sul,
atualmente em fase final de redação.
4 Esses encontros tem sido marcados sobretudo pelo
objetivo da troca de experiências, que se passam em escolas da rede pública ou
privada (educação formal), em áreas públicas como parques e reservas
florestais, ou ainda em comunidades urbanas ou rurais (educação não formal).
O caráter das atividades é igualmente diverso e acolhe inúmeras abordagens
educativas voltadas para crianças e adultos, cobrindo um amplo espectro de
orientações filosóficas e políticas que combinam com ênfases diferenciadas
os chamados pressupostos da educação ambiental. Há um certo consenso sobre
valores como interdisciplinariedade, holismo, participação, serem os
norteadores da pratica da EA.
5 Ver a esse respeito pesquisa de Alícia de Alba et alii
"Campo emergente en constitución en educación ambiental en México -
1980-1999. Apresentada no Primer Congreso Nacional de Investigación en Educación
Ambiental. Veracruz, Dez. 1999
6 Esta confluência do campo ambiental com o educativo
gera diferentes ênfases teórico metodológicas encontradas na diversidade das
práticas em EA. As perspectivas de uma educação comportamento e de uma educação
para cidadania reflectem, grosso modo, os dois pólos principais entre os quais
se distribuem grande parte destas práticas pedagógicas em termos de seus
fundamentos educativos. Este argumento já foi melhor desenvolvido por mim em
outros momentos onde problematizo os dilemas políticos-pedagógicos da EA. Para
tanto ver Carvalho, 1992 e 1999.
7 Assim tem se dado não apenas com a temática ambiental,
mas também nos casos de outras educações que ganham especificidade segundo
seu objeto temático -- também chamadas "educações para" -- como a
educação de gênero, educação para a Paz, educação para os Direitos
Humanos e outras.
8 Como afirma Boaventura Santos, a quebra do paradigma da
revolução torna impossível manter-se uma agenda de reformas do Estado. Se o
reformismo é uma ação que se sucede à revolução, quando as reformas se impõe
a partir da conquista do Estado, estaríamos vivendo hoje uma momento pós-pós-revolucionário,
no qual a perda do horizonte revolucionário já não exige as reformas como
condição para a legitimação do poder.
9 A partir da Eco-92 criou-se a Rede Brasileira de EA
(REBEA), a partir das ONGs que se articularam para o Tratado de EA no Fórum
Global - o evento paralelo à UNCED organizado pelas ONGs. Data ainda da década
de 90 as primeiras iniciativas por parte do Estado de políticas públicas
voltadas para a EA. Entre estas destacam-se as menções feitas a EA na enquanto
dever do estão e direito da população pela Constituição federal de 1988 no
capítulo de meio ambiente; a criação do FNMA em 1989, apoiando projetos que
incluem EA; o Programa Nacional de EA - Pronea de 1994, com a participação do
MMA-IBAMA, MEC, MCT e MINC; A inclusão da EA enquanto temática transversal nos
Parâmetros Curriculares, um documento de orientação curricular feito
pelo MEC em 1996; e finalmente uma lei que chama-se Política Nacional de EA,
aprovada em abril de 1999, cujo decreto de regulamentação está sendo
discutido nesse momento, que visa regular e fomentar em todo país a prática da
EA, em todos os níveis de ensino, na educação formal e não formal.
10 Foi neste contexto que se organizou a Rede Nacional de
EA, que animou a I Jornada de EA e a elaboração do Tratado de EA durante o Fórum
Global. Depois de 1992 já se realizaram 4 Fóruns de EA, de âmbito regional e
depois nacional, e também por parte do governo destaca-se a I CNEA em 1997, que
antecedeu a Conferência Internacional de Tessalonik realizada no mesmo ano.
11 Ver Carvalho, 1992.
Fonte: http://groups-beta.google.com/group/LUSOFONIA
Rede Lusófona de Educação Ambiental (acesso em 10/02/2005).